TEMA: A INVERSÃO DA CONVERSÃO
TEXTO: Atos 2. 41-42
INTRODUÇÃO
Os Guinness, um dos profetas da
modernidade, escreveram no início da década de oitenta um artigo intitulado
Cuidado com a jiboia. Neste artigo, ele comenta os perigos e desafios da
modernidade para a fé cristã, e compara estes perigos ao abraço da jiboia que mata
suas vítimas estrangulando-as devagar, sem nenhuma pressa. Para ele, a
modernidade vem fazendo com o cristianismo aquilo que Nero, Dioclesiano e
outros tentaram fazer através da violência e perseguição e não conseguiram. A
modernidade vem lentamente estrangulando a fé e o espírito cristão sem que a
cristandade se dê conta do abraço da jiboia e apresente qualquer resistência.
Um dos fenômenos modernos que vem
me chamando a atenção é o do velho tema da conversão. No passado, a experiência
da conversão era caracterizado por uma reforma radical da vida. O convertido
era alguém que renunciava o pecado, o mundo e a carne para viver para Cristo,
obedecendo a sua Palavra, buscando fazer a sua vontade, negando a si mesmo e se
afirmando pela fé em Cristo. Éramos convertidos a Cristo. Na linguagem de
Isaías, esta conversão envolvia uma transformação dos nossos caminhos e
pensamentos, levando-nos a considerar como superiores e melhores os caminhos e
os pensamentos de Deus.
1) Conversão não é mudar de igreja, denominação
ou religião; é mudar de caminho!
A modernidade vem lentamente
mudando este conceito. Eu diria que hoje, o fenômeno mais comum que observo em
muitos testemunhos cristãos, não é mais o de nossa conversão a Cristo mas a
conversão de Cristo a nós. Digo isto porque o que normalmente ouvimos, nos
relatos das experiências de muitos cristãos modernos, são histórias das ações
de Deus em suas vidas resolvendo seus problemas, curando suas enfermidades,
livrando-os do mal e dos perigos, abrindo portas para novas oportunidades,
abençoando seus planos e projetos. Obviamente isto não tem nada de mais, é a
expressão mais legítima da presença cuidadosa de Deus em nossas vidas. No
entanto, quando tornamo-nos o centro das ações de Deus e julgamos que sua
existência só é justificada pelos benefícios que recebemos dele, invertemos a
ordem da conversão e, ao invés de sermos convertidos a Cristo, é ele quem se converte
a nós, transformando-se numa espécie de "grande mágico" ocupado em
tornar nossa vida melhor e mais agradável.
Por outro lado, me chama também a
atenção a ausência cada vez maior de testemunhos que expressem as mudanças e
transformações da vida e do caráter, que demonstrem a disposição do coração e
da alma humana em se deixar moldar pela natureza divina, testemunhos que
apontem para uma conversão de nós a Cristo. Somos pecadores, a queda maculou a
imagem de Deus em nós, nosso caráter foi corrompido e nos tornamos, por
natureza, "filhos da desobediência", rebeldes e egoístas, sem um
referencial externo que nos apontasse o caminho de volta para Deus e para a
reconstrução da "Imago Dei".
2) Conversão não implica
estabelecer propósitos pessoais, mas sim em voltar ao propósito original do
Criador!
Jesus Cristo, o varão perfeito, o
Filho do homem, que manifestou através da encarnação a mais plena e completa
humanidade, viveu entre nós para ser o caminho que nos leva de volta ao
propósito do Criador, o referencial que precisamos. A conversão, ou numa expressão
mais comum entre nós, o "aceitar a Cristo", significa permitir que a
vida de Cristo seja agora, pelo poder do seu Espírito, vivida por nós,
convertendo-nos e transformando-nos em criaturas novas a fim de afirmarmos como
o apóstolo Paulo: "Não mais eu, mas Cristo vive em mim".
Esta afirmação não significa que
Paulo havia perdido sua identidade própria, passando a ser uma espécie de
marionete ou "zumbi" religioso. O que ele afirma é que foi convertido
a Cristo, sua vida foi transformada por Cristo, seus desejos, emoções e
vontade, foram e estavam sendo reordenados aos propósitos do Criador. Paulo não
estava preocupado se Cristo iria atender todas as demandas de sua vida e
ministério, satisfazer suas necessidades ou atender suas exigências pessoais.
Paulo estava interessado naquilo que Cristo estava fazendo em sua vida, nas
mudanças que o Evangelho havia realizado em seu coração e alma. Paulo mantinha
seu olhar sempre fixo em Cristo, deixando para trás tudo aquilo que o mantinha
preso no seu passado para experimentar, dia após dia, o poder da ressurreição
que fazia dele um novo homem.
A conversão de Cristo a nós é
perigosa. É uma inversão que nos coloca numa situação de enorme risco. No salmo
106 há uma advertência contra isto. O povo de Israel foi grandemente abençoado
por Deus que os libertou do Egito e dos seus opressores. No entanto, logo se
esqueceram de tudo o que Deus lhes havia feito e se entregaram a suas paixões,
fazendo o que desejavam. Em meio a esta busca de sua própria realização,
lutando pelo seu "direito de ser feliz", fizeram suas orações pedindo
para que Deus abençoasse seus desejos desordenados e seus caminhos falsos.
Diante disto, o salmista afirma que "Deus lhes concedeu o que pediram, mas
fez definhar-lhes a alma". As consequências de uma conversão de Cristo a
nós podem nos levar ao abismo mais profundo do egoísmo humano e nos afastar da
vida liberta e verdadeiramente humana que Cristo nos oferece.
3) Conversão não significa
mudar quem Deus é; Conversão é mudar quem nós somos.
A conversão nunca é o processo de
transformar Cristo numa espécie de "gênio da lâmpada", que existe
apenas para atender nossas demandas e necessidades. Este caminho inverso pode
parecer fascinante, nos dá a sensação de ter à nossa disposição alguém forte e
poderoso para nos defender, atender aos nossos interesses, satisfazer nossos
desejos e alimentar nosso ego insatisfeito e frustrado. Não nego o amor de Deus
e seu desejo enorme de nos abençoar, mas o caminho da conversão continua sendo
o da nossa transformação em Cristo, da reconciliação com Deus, da renúncia ao
pecado, da sujeição ao senhorio de Cristo, da obediência à sua Palavra e da
santidade do caráter. É a transformação da nossa natureza caída na imagem de
Deus, é ser cada dia mais parecido com Jesus.
A advertência de Os Guinness é real. A jibóia está aí
estrangulando os cristãos, lenta e silenciosamente. A busca pela
auto-realização, o narcisismo religioso, a sedução da propaganda, têm invertido
o conceito da experiência mais primária da fé cristã. Se começamos pelo caminho
inverso, correremos o risco de ver nossa alma definhada. Cuidado com a jibóia.
Amem.
Pr.
Luiz Fernando Massunaga
Comunidade
Bíblica adoração, Bauru, 06 de Julho de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário